Os estudos antropológicos
voltados aos fenômenos ligados à urbanização são alvos de diversas reflexões em
que certos autores procuraram construir suas abordagens sobre a cidade, mas ao
mesmo tempo, em certa medida, criaram determinados problemas. Cabe a nós
discutirmos como alguns teóricos construíram de forma positiva seus estudos, e
em que medida criaram um problema nas discussões acerca do fenômeno urbano.
Nesse sentido, traremos à luz as reflexões das tipologias de cidade abordadas
por Weber; em seguida, a discussão de Simmel sobre os estímulos que a metrópole
produz nos indivíduos da cidade, já que existe um tipo de vida tipicamente
urbano em termos psicológicos; a preocupação dos estudiosos de Chicago na
construção de uma compreensão acerca dos comportamentos urbanos como um modo de
vida específico, vistos em Park e Wirth e, sobretudo na visão de Hannerz acerca
desses estudiosos do mundo urbano.
Weber concebe a cidade como um tipo ideal, procurando
explicar a sua origem através do desenvolvimento do capitalismo moderno e a
partir da racionalidade das esferas sociais. A cidade, na sua forma ideal, seria para
Weber, caracterizada pela existência de uma comunidade possuidora de uma
autonomia política, representada como um estabelecimento compacto, e ainda, vista
como local de mercado. Assim, Weber faz um percurso histórico nos mais variados
tipos de cidades, especificando cada uma delas a fim de trazer a luz suas
categorias e propriamente seu conceito, sendo que tal conceito é provisório, e pode
ser reelaborado. Ele usa de generalizações e abrangências para explicar a
cidade, fazendo um imenso percurso histórico nas civilizações.
Para Weber as cidades são tipos mesclados, e seria uma
pré-condição da existência do capitalismo, e consequentemente pressuposto para
seu desenvolvimento. Dessa forma, o autor procura apontar as condições da
sociedade ocidental; demonstra como que ela se conforma; como os indivíduos se
estabelecem nessa relação; como a economia perpassa nesse processo.
De acordo com Weber, a noção de cidade vincula-se à noção de
localidade, como sendo um assentamento fechado de casas; caracterizada pelo
tamanho, troca de bens e serviços e funções diversificadas. Nesse sentido,
combinada tais características, Weber compõe sua tipologia de cidade, tais
sejam: a cidade do príncipe, a cidade de consumo, a cidade industrial, a cidade
comercial. Mas essas cidades surgiram somente no mundo ocidental, já que
apresentavam uma relação intima com a organização do poder como forma de
dominação.
Nesse esforço que Weber faz na construção de sua tipologia
de cidades, ele procura perseguir as implicações que o Estado produz quando ele
emerge, como figura fundamental na relação com a cidade.
Acontece que, no processo de explicação do percurso
histórico das cidades, Weber ao fazer muitas abrangências para explicar seu
objeto, deixa-nos a sensação de uma conclusão não definitiva, já que seu
conceito de cidade não é provisório. Mesmo assim, fornece-nos elementos capazes
de seguirmos um percurso, acerca de sua pretensão de uma construção do conceito
e categorias da cidade.
Já Simmel em
“A metrópole e a vida mental” pensa o modo de vida metropolitano associado a um
caráter mental específico da vida na cidade. Assim, ele procura mostrar como a
personalidade (psicológica) dos indivíduos se acomoda nos ajustamentos às
forças externas (a vida na metrópole). Para Simmel, a vida na metrópole conduz o aparecimento de novas condutas urbanas. Por isso,
ao contrastar às condições psicológicas dos indivíduos da pequena cidade e dos
metropolitanos, ele aponta que as diferenças entre estes estão principalmente
no que diz respeito ao modo de vida destes, e de modo mais específico,
sobretudo, das fundamentações sensoriais da vida psíquica. De acordo com o
autor o ritmo de vida e o conjunto sensorial das imagens dos habitantes da
pequena cidade são muito mais demorados, de modo que esse ritmo de vivência
produz relacionamentos bem mais profundamente sentidos e emocionais. Já o individuo metropolitano em sua relação
com os outros, tais relações estão enraizados nas camadas mais inconscientes do
psiquismo e cresce de modo menos dificultoso, seguindo o ritmo constante da
adesão de hábitos. Por isso que, ele afirma que o indivíduo metropolitano está
propenso a indiferença e a racionalização das relações sociais, à
intelectualização, ao calculo, a indiferença em suas relações como modo de
proteção subjetiva das ameaças do ambiente externo, ou seja, da metrópole.
Na metrópole há um vinculo intenso entre o
domínio intelectual do indivíduo e a economia monetária. Assim o dinheiro, para
Simmel, é quem indaga sobre quanto custa algo. E as relações emocionais entre
os indivíduos fundam-se mediante a sua individualidade, enquanto que as
relações racionais, o homem é trabalhado como um número, como um elemento
indiferente. Nesse sentido, percebemos
que Simmel deu uma contribuição ao pensar a metrópole relacionando a
compreensão da cidade sob o prisma da sensibilidade dos indivíduos
metropolitanos.
De acordo com Wirth a cidade é produto do
crescimento, e as influências que ela exerce sobre o modo de vida dos
indivíduos, não sejam capazes de eliminar de modo completo os modos de
associação humana. Para ele, a cidade e o campo podem ser tidos como dois pólos
em relação aos quais todos os aglomerados humanos tendem a se dispor. Segundo
Wirth uma cidade pode ser definida, em termos sociológicos, como um núcleo
grande, denso e permanente de indivíduos que são socialmente heterogêneos.
O autor aponta que quanto mais uma cidade for
densamente habitada, quanto mais heterogêneo for a comunidade, tanto mais
acentuada serão as características associadas ao urbanismo. Para Wirth o modo de vida urbano se encontra
em sua forma reconhecida na cidade, de modo que é influenciada através de três
principais fatores: o tamanho, a densidade e a heterogeneidade. Segundo ele o
aumento do número de habitantes de determinada localidade, possivelmente depois
limitará a possibilidade dos indivíduos se conhecerem pessoalmente uns aos
outros, e esse aumento envolve modificações no caráter dessas relações.
Quanto ao segundo fator, à densidade, a vida na
cidade permite contato estreito e o trabalho em comum de indivíduos sem laços
sentimentais ou emocionais, desenvolvendo assim um espírito de concorrência e
de exploração mútua. As tensões nervosas, as frustrações são cada vez mais
acentuadas pelo ritmo que a tecnologia atua sobre a vida dos habitantes de
áreas densas.
No que diz respeito ao ultimo fator, a
heterogeneidade, o autor aponta que onde quer que se estejam concentradas
grandes quantidades de pessoas de constituições divergentes, entra também um
processo que resulta na despersonalização.
Entretanto, Hannerz afirma que o tamanho, a densidade e a
heterogeneidade não precisam relacionar-se da mesma maneira em todas as
cidades, e essa visão de Wirth é pensada a partir da sociedade em que ele vive
a americana. De modo que tal visão não pode ser generalizada a todas as
sociedades, já que para Hannerz se quiser argumentar que certa densidade
absoluta produz efeitos sociais particulares, as comunidades de que um se ocupa
podem ser consideradas urbanas em certos lugares e não em outros. Pois para ele
“esse é um obstáculo para os estudos urbanos comparativos” (p.82), e isso é um
problema.
Para Park a cidade é tida como uma espécie de
estado de espírito, um corpo de tradições e costumes e de sentimentos e
atitudes que são organizadas. E mais do que um mecanismo físico, a cidade é
vista a partir de envolvimento nos processos da vida das pessoas que a
comportam, e é tida como resultante da natureza, principalmente da natureza
humana. A cidade é pensada por Park a partir da sua ecologia humana, a partir
de forças que atuam dentro do limite da comunidade urbana, de modo que essas
forças tendem a ocasionar agrupamentos que são típicos de suas populações e
instituições. Assim, fatores como transporte, comunicação, linhas de bonde,
jornais etc. organizam ecologicamente a cidade e concentram as populações urbanas.
Ainda para Park a cidade pode ser pensada como habitat natural do homem
civilizado, e é uma área cultural e que tem seu próprio tipo particular de
cultura. Em resumo, a ecologia humana de Park consistia ao que Hannerz apontou,
como uma perspectiva analítica em que os fenômenos peculiarmente humanos do
consenso e da comunicação teriam escassa importância, e sua inspiração era
advinda do darwinismo social.
Park pensa a cidade também em termos de uma
organização moral e física, em que estas interagem entre si e se modificam e molda
uma a outra. Mas de acordo com Hannerz o urbanismo visto como uma ordem social
mais do que uma forma de vida, Park devia ter prestado mais atenção aos níveis
mais altos da política e da economia da cidade.
De acordo com Hannerz
autores como Readfield, que definia a sociedade comunal vista como homogênea e
harmônica, e pensada como oposta a cidade moderna apontavam que “a dicotomia se
transformou então em um contínuo, pelo reconhecimento de que as verdadeiras
sociedades ou formas de vida nem sempre se encaixam de maneira muito exata em
alguns dos tipos polares, sendo que se situam entre eles” (p.79). Tais dicotomias,
para Hannerz, são vulneráveis, e sofreram muitas críticas. Por fim, aponta que
parte da pressuposição de uma ecologia urbana, de liberalismo, os sociólogos de
Chicago não tiverem, em geral, muito interesse em analisar a economia mais
ampla da comunidade por assuntos de poder e conflito.